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Banco dos Brics: uma nova ordem econômica no horizonte?

23/07/2014

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Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul formam o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) para financiar investimentos em países do bloco.

 

Por Jorge Abrahão*

Nem bem o Maracanã apagava as luzes do final da Copa do Mundo e Fortaleza já se preparava para receber os chefes de Estado dos países emergentes para os quais o economista Jim O’Neill, criou a sigla “Brics”, em 2001: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Ao fazer um estudo sobre previsões de crescimento econômico de países para a primeira metade do século 21, O’Neill concluiu que esses cinco países ocupariam as primeiras posições no ranking das economias do mundo. E isso de fato vem ocorrendo.

Mesmo não representando um bloco econômico, como o Mercosul, nem político, como a União Europeia, ou militar, como a Otan, os Brics sempre buscaram aproximação. Em junho de 2009, na cidade de Ecaterimburgo, na Rússia, foi realizada a primeira reunião de cúpula, com o objetivo de reforçar a posição desses países no G-20 (o grupo dos 20 países de maior economia do mundo) e promover a construção de uma ordem econômica mais justa, firmada na democracia, em bases sólidas e reguladas. A aliança ainda demanda apoio aos países pobres, suporte a energias renováveis, transferência de tecnologias para a produção de biocombustíveis e o desenvolvimento técnico da produção agrícola.

Nesse primeiro encontro, ocorrido após a crise de 2008, a ênfase dos debates da cúpula recaiu sobre a reforma do sistema financeiro internacional, mas as decisões adotadas ainda foram muito genéricas: pediam maior regulação dos capitais e mais investimentos na diminuição das desigualdades entre os países e também dentro deles. As reuniões seguintes foram realizadas em Brasília (2010), Sanya, na China (2011), Nova Délhi, na Índia (2012) e Durban, na África do Sul (2013).

Em todas elas, as discussões avançaram sobre a constituição de uma moeda supranacional que substituísse o dólar nas negociações entre os países do bloco, bem como sobre a formação de um banco próprio, a reforma das instituições de governança global e a chamada “cooperação Sul-Sul”, principalmente em direção ao continente africano.

O encontro mais recente foi realizado em Fortaleza (CE), entre os dias 14 e 16 de julho últimos.

Consolidação da aliança

Os dois primeiros dias foram dedicados a reuniões entre os ministros das Finanças dos países para acertar os detalhes que deram a largada para a formação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o banco que os Brics formaram com capital de US$ 100 bilhões, para financiar investimentos em países do bloco, mas cujos empréstimos poderão ser concedidos a outros países emergentes. O acordo também permite que novos países se associem ao banco. Entretanto, os cinco fundadores deverão manter um mínimo de 55% de participação conjunta.

Na reunião de encerramento, no dia 16/7, simultaneamente ao banco esses países lançaram um fundo denominado Arranjo Contingente de Reservas, para atuar em momentos de crise, concedendo linhas de crédito a países que sofram dificuldades em seu balanço de pagamentos. É como um mini-FMI, constituído por US$ 50 bilhões.

A ideia de criar o banco e o fundo tornou-se mais real a partir de 2013, quando os Brics se convenceram de que dificilmente teriam mais voz e voto nas decisões do FMI, conforme acordo de 2010.

O Novo Banco de Desenvolvimento terá sede em Xangai, na China, enquanto a África do Sul vai sediar o Centro Regional Africano do Banco. A Índia ganhou o direito de indicar o primeiro presidente do NBD; o Brasil, o primeiro presidente do Conselho de Administração, que decide a estratégia e as linhas gerais de investimento; a Rússia, o presidente do Conselho de Governadores, formado pelos ministros das Finanças (ou da Fazenda, como no Brasil), que serão como controllers do dinheiro.

O presidente do NBD terá um mandato de cinco anos, não reelegíveis. O país-sede (a China) será o último a indicar o presidente.

A criação do NBD ainda precisa ser aprovada pelos congressos dos países do bloco. Por isso, o banco só começará a operar a partir de 2016.

Economia e sociedade dos Brics

Vale ressaltar alguns dados dos Brics: os cinco países juntos detêm 42,6% da população mundial, 45% da força de trabalho, 25% do PIB e 20% dos investimentos globais. Em 2012, em plena crise, esses Estados foram responsáveis por 56% do crescimento econômico mundial.

O IBGE tem os seguintes dados resumidos sobre o bloco:

BRASIL
PIB (2012): US$ 2,246 trilhões
PIB per capita (2012): US$ 11.171
Desemprego (2012): 6,1%
População (2013): 201 milhões
Capital: Brasília
Moeda: Real

RÚSSIA
PIB (2013): US$ 2,096 trilhões
PIB per capita (2013): US$ 14.604
Desemprego (2013): 5,5%
População (2013): 144 milhões
Capital: Moscou
Moeda: Rublo

ÍNDIA
PIB (2013): US$ 1,726 trilhão
PIB per capita (2013): US$ 1.418
Desemprego (2012-2013): 5,3%
População (2011): 1,211 bilhão
Capital: Nova Délhi
Moeda: Rúpia

CHINA
PIB (2013): US$ 9,185 trilhões
PIB per capita (2013): US$ 6.768
Desemprego (2013): 4,1%
População (2013): 1,357 bilhão
Capital: Pequim
Moeda: Yuan

ÁFRICA DO SUL
PIB (2012): US$ 382 bilhões
PIB per capita (2011): US$ 7.810
Desemprego (2012): 25,1%
População (2011): 52 milhões
Capital: Pretória
Moeda: Rand

Desenvolvimento sustentável

À cúpula de Fortaleza acorreram praticamente todos os países da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), fato que, para a mídia internacional, representou o maior encontro de nações para fundar um banco, desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Os próprios governantes dos Brics declararam, por ocasião do lançamento do NBD, que a ideia não é confrontar ou criar alternativas ao “mainstream financeiro”. O objetivo é que o novo banco complemente as atuais instituições financeiras multilaterais e regionais, cuja insuficiência de recursos dificulta o financiamento dos projetos de infraestrutura nos países em desenvolvimento.

De qualquer forma, trata-se de uma instituição que nasce para consolidar o bloco dos emergentes e mais uma vez demonstrar que vivemos num mundo multipolar, reunindo potências militares, nucleares ou sem ambições militares, como Brasil e África do Sul. A presença de todas essas forças nos Brics pode ajudar a aliviar tensões fronteiriças, regionais e mesmo geopolíticas.

Todavia, vale a pergunta que muitos estão fazendo: novo banco para quem?

Na cúpula de 2013, o desenvolvimento sustentável e includente foi tema dos debates e, inclusive, embasaram os argumentos para a criação da atual nova instituição financeira. Mas, na criação do banco e do arranjo financeiro, não houve nenhuma palavra explícita sobre a questão de qual modelo de desenvolvimento o bloco pretende apoiar e que tipo de política financeira vai desenvolver quando um país precisar recorrer aos fundos do arranjo.

Mesmo assim, é inegável que há uma janela aberta justamente por quem mais precisa para se construir um novo modo de produzir e consumir, tendo como foco demandas como o combate às desigualdades, o equilíbrio ambiental, a boa governança e a democracia.

Uma conferência realizada no Rio, em maio de 2014, chamada “Conferência Brics no Século 21”, gerou uma pauta propositiva que foi batizada de Consenso do Rio. Ela foi elaborada e assinada por especialistas dos cinco países que compõem o bloco e apresenta 11 estratégias econômicas, políticas e científicas para promover o desenvolvimento sustentável desses países, com foco no pleno emprego e na redução das desigualdades sociais. Entre as estratégias apresentadas estão:

  • A presença de um forte sistema de bancos públicos de desenvolvimento, que faz a correia de transmissão entre o planejamento e o financiamento de médio longo prazo;
  • A busca comum por desenvolvimento tecnológico que permita que os Brics se tornem mais competitivos em termos globais;
  • Trabalhar por um comércio mais equilibrado, movendo-se no sentido de um maior equilíbrio no processamento nacional de matérias-primas;
  • Uma política de integração econômica estrategicamente planejada.

São estratégias que visam o longo prazo, e isso é um grande avanço em relação às propostas feitas por economistas ou estudiosos tradicionais. O curto prazo já demonstrou ser pouco recomendável ao planeta, como ressaltou o filósofo sul-africano Rasigan Maharaj, um dos especialistas que participaram da conferência no Rio. Ele ainda alertou para o fato de que não basta apenas uma união para facilitar o crescimento do PIB; é preciso quebrar paradigmas e criar um mundo melhor.

Que o Novo Banco de Desenvolvimento, mesmo com recursos ainda escassos, seja a alavanca para esse novo mundo que queremos construir.

* Jorge Abrahão é diretor-presidente do Instituto Ethos.

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