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Como ficam as eleições e a política sem o financiamento privado?

18/09/2015

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stf-proibe-de-doacoes-de-empresas-a-campanhaEnquanto aguardamos os desdobramentos e as reações à decisão do STF, vamos tentar elaborar alguns cenários a respeito do que pode acontecer.

Por Jorge Abrahão*

Nesta quinta-feira (17/9), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu proibir, por 8 votos a 3, doações de empresas para campanhas eleitorais. Os oito ministros que votaram contra essas doações entenderam que elas violam a Constituição Federal.

O assunto chegou ao STF por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O julgamento começou em dezembro de 2013. Em abril de 2014, quando a votação estava 6 a 1 a favor da ADI, o ministro Gilmar Mendes pediu vista, suspendendo a análise da matéria. Só trouxe seu voto ontem, mais de um ano depois, em virtude de a Câmara dos Deputados, em seu projeto de reforma política, ter mantido as doações empresariais.

A decisão do STF dá à presidente Dilma Rousseff respaldo para vetar a doação a partidos políticos que consta do texto da Câmara que aguarda sanção presidencial até o final do mês. Caso esse item não seja vetado, a OAB poderá entrar com nova ADI, baseada na inconstitucionalidade já aprovada pelo STF.

Já tratamos deste assunto várias vezes neste espaço, mas a decisão do STF merece outro comentário, pois é histórica e pode mudar para melhor as campanhas eleitorais, a governança das empresas e a própria política.

Enquanto aguardamos os desdobramentos e as reações a essa decisão, vamos tentar elaborar alguns cenários a respeito do que pode acontecer com as eleições e a política sem o financiamento privado.

1 – O que muda na política com essa decisão do STF?

Creio que podemos ter a expectativa de que o dinheiro vai mandar menos nas urnas. Como disse o ministro Luiz Fux, as doações de empresas promoveram a captura ilícita do poder político. Sem as doações privadas, a pressão do dinheiro nas campanhas eleitorais vai ser menor, mesmo levando-se em conta que as doações de pessoas físicas continuam mantidas com o mesmo limite de 10% do rendimento bruto do ano anterior.

Aprofundando mais a reflexão sobre o que muda sem as doações a campanhas, penso que, no plano político, os partidos terão de se aproximar mais da população, ter contato mais direto. Não haverá mais recursos para contratar centenas de pessoas para carregar bandeiras e distribuir santinhos nos cruzamentos das grandes avenidas. Vamos trazer de volta a visita de porta em porta, as reuniões com vizinhos e a ocupação do mundo virtual por redes, eventos e debates. Este aspecto talvez seja o efeito mais positivo dessa proibição: a construção de um verdadeiro debate de ideias. Então, teremos um sistema político-eleitoral mais justo e transparente, com oportunidades para todos se sobressaírem, principalmente os partidos de maior consistência programática, grandes ou pequenos.

2 – Se as doações privadas estão proibidas, como os partidos vão financiar suas campanhas?

Em princípio, as campanhas serão financiadas com os recursos do Fundo Partidário, que aceita doações de pessoas físicas e jurídicas, depositadas diretamente na conta bancária do fundo, respeitando-se os limites da lei.

Como se sabe, o Fundo Partidário é constituído por dotações orçamentárias da União, multas aplicadas a partidos e candidatos e as doações de empresas e pessoas físicas. Esse dinheiro é distribuído pelos partidos políticos de acordo com o número de cadeiras que cada um ocupa na Câmara do Deputados.

Outra forma de fazer caixa é realizando campanhas de filiação.

De qualquer maneira, as eleições vão custar bem menos, e esta será outra boa consequência da proibição. Em 2014, o Fundo Partidário distribuiu quase R$ 400 milhões em dinheiro para os partidos durante o ano. Em apenas um mês de campanha, as empresas já haviam direcionado a mesma quantia a diversos partidos e candidatos. E uma empresa apenas, a JBS, doou R$ 300 milhões para bancar várias campanhas.

O total de doações privadas, em 2014, chega a quase R$ 4,6 bilhões. De acordo com os registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as eleições de 2014 custaram R$ 4,92 bilhões, as mais caras da história recente do país.

3 – A proibição de financiamento privado pode diminuir o nível de corrupção? Não há a possibilidade de se usar o caixa dois?

Sim, o fim do financiamento privado de campanhas eleitorais pode diminuir bastante o nível de corrupção na administração pública. Todos os casos recentemente apurados começaram com doações a partidos e candidatos.

Quando ao caixa dois, ele só existe quando há “caixa um”. Qual é a empresa legalmente constituída que vai correr o risco de ser facilmente criminalizada por desvio de verbas, evasão fiscal e outros crimes, se não tiver o “caixa um” – ou seja, a possibilidade de contabilizar o dinheiro encaminhado a partidos e candidatos – para justificar as despesas?

4 – E para onde vai o dinheiro das doações? Quais são os maiores gastos numa campanha eleitoral?

Analisando as tabelas do TSE, é possível verificar que a veiculação tradicional de propaganda consome em média um terço dos recursos da campanha. É dinheiro para alugar carros de som, produzir placas e faixas e organizar comícios ou eventos para promoção da candidatura.

O próximo item, por ordem de importância, são os custos com contratação de pessoal, representando entre 14% e 18% dos gastos, seguidos pelos gastos com transporte (de 13% a 22%). O quarto item se refere à produção de publicidade (de 10% a 12%), incluindo os jingles e slogans usados na campanha, mas também os programas a serem veiculados durante o horário eleitoral gratuito. Isso mostra que a veiculação gratuita da propaganda partidária, se, de um lado, exonera os partidos do alto custo da veiculação em rádio e TV, de outro, cria um custo significativo para os candidatos e as organizações partidárias para produzir essas peças publicitárias com qualidade.

5 – Qual será o impacto dessa proibição no âmbito das empresas?

Recentemente, o Instituto Ethos realizou uma pesquisa com suas associadas para verificar o que elas pensavam a respeito das doações a campanha eleitorais, na qual mais de 80% afirmavam não doar para partidos ou candidatos e 67% preferiam que houvesse uma proibição ou um teto para essas doações. Isto mostra que as empresas também se sentem desconfortáveis com o “jogo duro” imposto pelo financiamento privado das eleições. Então, é possível prever que as relações do setor privado com o setor público deverão passar por uma grande transformação.

Os sistemas de licitação e de editais será mais justo e as empresas que desejarem concorrer a obras ou compras públicas terão de aperfeiçoar a governança e melhorar muito os processos, produtos e serviços. O resultado disso será, com certeza, maior competitividade e qualidade nas entregas ao setor público.

É sempre bom ressaltar que a corrupção é um mal para as empresas e os negócios. Essas práticas ilícitas criam aparentes vantagens de curto prazo, mas distorcem a livre concorrência, acabam com a competitividade, diminuem a capacidade de investimento e deterioram o ambiente institucional. Se queremos construir um país mais justo, com negócios prósperos e progresso social, precisamos controlar e prevenir a corrupção e suas fontes, como o financiamento de campanhas.

* Jorge Abrahão é diretor-presidente do Instituto Ethos.

Foto: Plenário do STF decide pela proibição de doações de empresas a campanhas eleitorais.

 

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