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Direitos humanos e mecanismos de reclamação e diálogo: qual o papel das empresas?

12/06/2013

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Canais de reclamação não devem ser encarados como meros mecanismos de recebimento de queixas, mas como meio de gerir riscos preventivamente.

Por Jorge Abrahão*

Nesta terça-feira (11/6), aconteceu em São Paulo o Seminário “Direitos Humanos e Mecanismos de Reclamação e Diálogo”, promovido pelo Grupo de Trabalho de Empresas e Direitos Humanos, do Instituto Ethos, com apoio da Embaixada do Reino dos Países Baixos.

Com o objetivo de promover o debate a respeito da disponibilização de canais de diálogo e reclamação para as partes interessadas, item fundamental para a devida diligência sobre o respeito aos direitos humanos pelas empresas e também pelo Estado, o evento discutiu como as empresas podem se antecipar, prevenir e gerir riscos, evitando perdas financeiras e prejuízos para a reputação (que são mais difíceis de recuperar).

O seminário também demonstrou que o estabelecimento de canais de diálogo é uma oportunidade para as empresas diagnosticarem pontos críticos de sua gestão e também entenderem melhor seus stakeholders, desde as comunidades do entorno, passando por seus funcionários e chegando aos clientes e consumidores. Assim, canais de diálogo devem funcionar como direcionadores fundamentais das tomadas de decisão do negócio.

Algumas empresas já caminham nessa direção. O seminário apresentou o caso concreto da Fibria, que tem envidado esforços importantes para informar e engajar as comunidades do entorno de sua operação, passando agora a ter como objetivo a integração de representantes de diversas comunidades em conselhos consultivos, para aportar conhecimentos à tomadas de decisão que possam antever riscos e concretizar bons investimentos.

Direitos humanos e o importante papel das empresas

As discussões sobre direitos humanos têm sido ampliadas, mas somente nos últimos anos passou-se a entender melhor essa temática pela perspectiva do compromisso e do impacto nas empresas. Foi apenas em 2011, por exemplo, que a ONU lançou seus Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, os quais esclareceram melhor qual é o papel das empresas dentro da agenda de direitos humanos, bem como o valor que o seu cumprimento gera para os negócios.

Também foi apenas recentemente que os direitos humanos começaram a integrar a agenda de sustentabilidade, no seu eixo social. Essa mudança deixou claro o quanto o tema está interligado com outros pilares da sustentabilidade – o ambiental, o ético e o econômico.

O seminário desta terça-feira esclareceu melhor essa intersecção. As discussões mostraram, por exemplo, como o desenvolvimento econômico bem-sucedido e as escolhas certas em relação aos temas que variam desde a nossa matriz energética até a melhoria nas relações de consumo precisam passar por processos amplos e transparentes de consulta e diálogo com comunidades afetadas e partes interessadas.

Na primeira discussão – “Canais de Diálogo com Públicos Impactados e Mediação para Resolução de Conflitos” –salientou-se a importância de as empresas disponibilizarem canais formais e eficientes de recebimento de queixas e de diálogo com as partes interessadas, principalmente as comunidades afetadas. Nessa discussão, destaca-se o papel do Compliance Advisory Ombusdman (CAO) como mecanismo disponível a qualquer pessoa ou comunidade que queira apresentar uma queixa em relação a projetos financiados pela Internacional Finance Corporation (IFC). O CAO é uma referência na mediação de conflitos dessa ordem, já tendo resolvido mais de 100 casos em vários países. O estabelecimento desses tipos de mecanismos, bem como o de ouvidorias dentro das empresas, é o eixo fundamental dos princípios orientadores da ONU que comentamos acima.

Princípios orientadores da ONU e caso da Fibria

O documento Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos foi aprovado em 2011 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU e estabelece as responsabilidades das empresas em relação ao respeito aos direitos humanos internacionalmente. O documento mostra quais são essas responsabilidades, de acordo com o ordenamento jurídico internacional atual. A ONU, a partir do compromisso das empresas em respeitar os direitos humanos, pede que elas:

  • contemplem os direitos humanos, com envolvimento das partes interessadas e da alta direção;
  • mapeiem os impactos e riscos em relação aos direitos humanos no negócio da empresa, utilizando essa avaliação para sua mitigação e tomadas de decisão nos negócios;
  • integrem o respeito aos direitos humanos em toda a empresa, tornando-o parte da cultura corporativa, atribuindo responsabilidades, treinando os funcionários e fornecendo incentivos e desincentivos;
  • tenham medidas de acompanhamento, utilizando indicadores, monitorando desempenho e resultados, divulgando relatórios e acompanhando os avanços; e
  • disponibilizem mecanismos de reclamação para as partes interessadas, endereçando devidamente as queixas recebidas e levando-as em conta nas avaliações de desempenho e mapeamento de riscos.

No evento, a Fibria apresentou seu caso relatando como implementa as orientações e como trouxe processos de diálogo para seus públicos. A empresa criou estratégias sociais que se focam em estabelecer mecanismos de planejamento e monitoramento, de forma a identificar, evitar e mitigar os impactos negativos das atividades florestais. Foram desenhados modelos de governança para a sustentabilidade, pois sem isso não seria possível que os processos fossem operados. Criaram ainda o seu Comitê de Sustentabilidade que avalia as unidades e as atividades nelas realizadas e está diretamente ligado ao Conselho de Administração da empresa.

Sob os auspícios do Comitê de Sustentabilidade, a Fibria desenvolveu ainda espaços formais de diálogo com comunidades indígenas do entorno de seus negócios, tornando possível a interação e alinhando o desenvolvimento econômico com o desenvolvimento social e o respeito aos direitos humanos.

Como desafio, fica evidente a complexidade desses procedimentos, principalmente a dificuldade em estabelecer processos de consulta que sejam, enfim, livres e consentidos. Nesse espírito, fica também o desafio de fazer processos preventivos, de devida diligência, que organizem consultas anteriores às tomadas de decisões estratégicas e ao surgimento de problemas; consultas que levem em conta os impactos socioambientais, antevejam riscos e ajudem, dessa forma, a direcionar a empresa no caminho da sustentabilidade e do equilíbrio com o espaço que ocupa.

Sobre conflitos indígenas

Ainda em relação a diálogos com as empresas, levantou-se, no seminário, a questão dos conflitos indígenas, que poderiam ter tido outro encaminhamento se canais de diálogo tivessem sido estabelecidos. Na mesa “Regulamentação da Convenção 169 da OIT e da Constituição Federal em Relação à Consulta a Comunidades Indígenas – Situação Atual e Desafios Futuros”, foram discutidos os direitos dos indígenas e a necessidade de regulamentação da consulta prévia, livre e consentida das comunidades indígenas em projetos que afetem não somente seus territórios como as possibilidades de sobreviverem cultural, social e materialmente.

Tema de grande relevância para o Brasil atualmente, é importante que não se perca nas discussões e que sejam tomadas medidas rápidas, não somente para o respeito aos direitos humanos dos povos indígenas, mas também para a sustentabilidade. A consulta prévia às comunidades em projetos que afetem suas vidas é fundamental para o respeito aos seus direitos e manutenção do seu bem-estar. No atual contexto de crescimento econômico e aquecimento de grandes obras de infraestrutura e extração de recursos, a atuação prévia das empresas, e também do governo, para a garantia dos direitos das comunidades é ponto fundamental.

Com isso em mente, foi lançada a Carta Aberta ao Governo Brasileiro sobre os Direitos dos Povos Indígenas e o Desenvolvimento Sustentável do País, em que empresas, organizações e indivíduos signatários pedem ao governo federal que implemente ações de curto prazo para cessar a violência que vem ocorrendo em todo o país contra os povos indígenas e para ouvi-los nos casos de projetos que os afetam. A carta pede ainda que sejam tomadas medidas de médio e longo prazo, no sentido de consolidar mecanismos efetivos e regulamentados de consulta prévia livre e consentida. A carta está disponível para adesão no site do Instituto Ethos.

Diálogo e participação social

Após um dia de discussões, o evento se encerrou com a premissa de que é fundamental o estabelecimento de uma agenda positiva de respeito aos direitos humanos e promoção do trabalho decente por parte das empresas.

Todas as referências trabalhadas no evento desta terça-feira trazem ainda a importância de a empresa manter um diálogo constante com seus públicos interessados, tanto do ponto de vista preventivo quanto do ponto de vista da remediação, visando tratar os casos de violação que tenham ocorrido na empresa ou em sua esfera de influência.

Neste sentido, os canais de reclamação não são meros mecanismos formais de recebimento de queixas com as quais a empresa vai lidar isoladamente. Eles devem ser encarados numa posição de gerir os riscos preventivamente, tomando a dianteira para respeitar os direitos humanos em sua atuação.

O diálogo e a participação social são bases fundamentais para a garantia dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável do país. O Brasil é um ator importante da agenda do desenvolvimento sustentável. Mas só poderá estabelecer-se como líder e ter seus produtos vistos como sustentáveis se forem consolidados esses mecanismos democráticos de diálogo e respeito aos diversos grupos sociais do país.

* Jorge Abrahão é presidente do Instituto Ethos.

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