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05/02/2013

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Pesquisa realizada pelo Uniethos em 2012 mostra que o relacionamento com stakeholders é um processo intrínseco ao planejamento e à inovação.

Por Regi Magalhães*

O debate sobre a finalidade das empresas oscilou desde a década de 1950 entre o chamado “capitalismo de stakeholders” e o “shareholder capitalism” (“capitalismo do acionista”). Um dos marcos do início desse debate foi em 1951, quando Frank W. Abrams, então presidente do conselho da Standard Oil of New Jersey, declarou: “O papel da administração é manter o equilíbrio equânime e funcional entre reivindicações de distintos grupos de interesse diretamente afetados […], acionistas, funcionários, clientes e o público em geral”.

O paradigma do “capitalismo do acionista” foi dominante na gestão empresarial durante toda a segunda metade do século XX, pelo menos no contexto das companhias americanas e britânicas. Mesmo assim, grandes empresas em muitos países são orientadas por interesses de stakeholders. Na Alemanha, por exemplo, a Lei de Cogestão (Mitbestimmung) determina que os conselhos de supervisão de grandes empresas sejam formados em igual número por representantes de acionistas e de trabalhadores. A legislação da França também exige que representantes de trabalhadores ocupem posição nos conselhos das empresas. Empresas japonesas também se orientam por interesses de outros stakeholders, além dos acionistas. Hiroshi Okuda, presidente do conselho da Toyota Motor Corporation, afirmou que seria irresponsável administrar as empresas japonesas prioritariamente sob o interesse dos acionistas.

Ainda que a gestão orientada para stakeholders esteja presente em importantes economias, o planejamento das empresas tem predominantemente como foco os resultados para os acionistas. Nos últimos anos, porém, dois movimentos distintos vêm provocando mudanças de maneira mais desafiadora.

O primeiro movimento é o conjunto de pressões de organizações sociais sobre empresas nas cadeias de produção de madeira, agricultura, confecções, mineração, petróleo, eletrônicos e pescados com relação aos impactos sobre florestas, biodiversidade, condições de trabalho, comunidades ou populações indígenas. Em vários casos essas campanhas provocaram significativos danos à reputação das empresas, dificultando, por exemplo, acesso a financiamentos, investimentos e mercados. Esse novo contexto faz com que as empresas entrem num círculo vicioso, no qual, como disseram Michael Porter e Mark Kramer no artigo Criação de Valor Compartilhado, a perda de legitimidade provoca a redução da competitividade das empresas, a qual, por sua vez, limita ainda mais a capacidade de gerar valor para a sociedade.

A mais importante reação de um número expressivo de empresas tem sido a criação de padrões socioambientais de produção e de gestão de cadeias de valor que são construídos em processos de diálogo com organizações da sociedade civil e governos, as chamadas “iniciativas multistakeholders”.

O segundo movimento que coloca em cheque o “shareholder capitalism” é a percepção de um número crescente de líderes empresariais e investidores de que o foco no resultado para o acionista tem levado a uma acentuada visão de curto prazo. Na medida em que as estratégias empresariais se orientam quase que exclusivamente pelos balanços trimestrais, uma pesquisa realizada pelo J.P. Morgan, em 2012, mostra que o horizonte temporal de 55% dos executivos é de um trimestre ou menos. Por outro lado, segundo a McKinsey, o tempo necessário para investir em novos negócios é, em média, de cinco a sete anos. O short-termismo ameaça investimentos de longo prazo, como em pesquisa e inovação, por exemplo, ou coloca em risco empresas cujos negócios são afetados por mudanças de longo prazo, como o aquecimento global. A maior ironia da ênfase nos resultados para os acionistas é que o resultado no longo prazo é o enriquecimento dos executivos, mais do que os ganhos para os próprios acionistas.

Críticas desse tipo fizeram com que líderes empresariais começassem a defender o movimento iniciado pelo CEO da Unilever, Paul Polman, de não mais publicar relatórios trimestrais e desenvolver incentivos para estratégias e ações de longo prazo. Empresas bem-sucedidas a longo prazo são aquelas, como mostrou Rosabeth Moss Kanter, que agem como instituições sociais, constroem relacionamentos duradouros e criam valor para a sociedade, ou seja, são empresas cujas estratégias de negócios dependem do envolvimento estratégico de stakeholders.

As empresas brasileiras estão preparadas para essas mudanças? Uma pesquisa realizada pelo Uniethos em 2012, com 250 empresas que possuem estratégias de sustentabilidade integradas aos seus negócios, mostra que o relacionamento com stakeholders é um processo intrínseco ao planejamento e à inovação. Mais de 60% dessas empresas mantêm parcerias com organizações da sociedade civil e 50% afirmam ter relações contínuas com stakeholders, mas apenas 25% organizam processos de consultas sobre as estratégias de negócios e uma pequena parcela de 10% das empresas que possuem estratégias de sustentabilidade conta com stakeholders externos em seus sistemas de governança.

A principal conclusão da pesquisa é que ampliar a capacidade de construir relacionamentos efetivos, contínuos, duradouros e estratégicos com stakeholders é o primeiro dos grandes desafios. Ampliar os relacionamentos com os poderes públicos, com organizações da sociedade, com comunidades ou mesmo com fornecedores depende de clareza de objetivos e, especialmente, de habilidades sociais que parecem ainda não estar consolidadas na maioria das empresas.

O desenvolvimento de negócios orientados por perspectivas de longo prazo e pela sustentabilidade depende de um alinhamento das empresas com as expectativas e interesses dos stakeholders. Estratégias bem-sucedidas de relacionamento com stakeholders são aquelas que integram alguns elementos-chaves, tais como:

  • Os processos de relacionamento com stakeholders devem fazer parte dos sistemas de governança das empresas;
  • Os relacionamentos com stakeholders devem fazer parte dos processos de planejamento estratégico das empresas;
  • Os planos de comunicação e de marketing das empresas devem ser integrados e coerentes com as estratégias de relacionamento com stakeholders;
  • Os líderes das empresas devem ser os principais responsáveis pelo relacionamento com stakeholders;
  • O planejamento das estratégias de relacionamento deve estar integrado com as estratégias de negócios das empresas e coerentes com a abrangência geográfica (local e internacional), com os diferentes setores e unidades de negócios; e
  • Os processos de relacionamento devem ser contínuos e de longo prazo, antecipando dilemas e desafios para os negócios e para a sociedade.

* Regi Magalhães é gerente executivo do Uniethos.

Este texto faz parte de uma série de artigos de especialistas promovida pela área de Gestão Sustentável, do Instituto Ethos, cujo objetivo é subsidiar e estimular as boas práticas de gestão.

Veja também:
– A promoção da igualdade racial pelas empresas, de Reinaldo Bulgarelli; e
Usar o poder dos negócios para resolver problemas socioambientais, por Ricardo Abramovay..

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