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Empresas e comunidades rumo ao futuro

18/03/2013

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Fará bem às empresas pensar em relações com comunidades baseadas nas forças de mercado, em que as trocas ocorrem sob a regulação da oferta e da procura.

Por Cláudio Boechat*

A visão de 9 bilhões de pessoas vivendo no planeta em 2050 impõe que repensemos muitos dos aspectos envolvidos nas relações entre as empresas e as comunidades com as quais convivem, seja pela proximidade, seja pela intercalação de impactos e potenciais de mútuos benefícios.

Antes de avançar, devemos esclarecer que o significado de comunidade assume muitas faces, na medida em que ele cobre desde as comunidades no entorno de alguma operação empresarial até a sociedade global. Assim, faz sentido pensar em comunidades significativas para uma empresa como uma resposta lógica para a pergunta “de que comunidade estamos falando?”. Comunidades significativas são todas aquelas que representam algo para uma empresa, e significância é uma qualidade que diferencia as comunidades.

Primeiramente, o princípio costumeiramente citado como do ganha-ganha deverá ser superposto pelo princípio mais abrangente e desafiador do ganha-ganha-ganha. O ganha-ganha considera somente as duas partes em uma relação; não revela a possibilidade de que os benefícios que ambas colhem podem ser obtidos com ou a partir de perdas de uma terceira parte. Incluir a terceira parte requer uma abertura de percepção, para interpretar corretamente seus interesses, e de intenção, para respeitar seus direitos, mesmo que com restrições ao ganha-ganha. Ou seja, requer uma ampliação da ética das partes envolvidas em qualquer negociação ou transação. Corolário: o ganha-ganha da relação de empresas e comunidades mais pobres não poderá se dar sem dor se causar perdas a outras comunidades significativas, incluída a natureza.

Da mesma forma, outro princípio bastante popular que deve evoluir é aquele de que não basta dar o peixe; é preciso ensinar a pescar. Mais que isso, será necessário ensinar a preservar os peixes, pois eles podem se acabar. Muitos dos limites do planeta se manifestarão no período de agora até 2050, e uma das condições para o necessário crescimento econômico será a valorização dos ainda desprestigiados mecanismos de internalização das externalidades. Falaremos sobre crescimento econômico mais para a frente, neste artigo.

Na trajetória até 2050, os mercados serão cada vez mais vistos como ambientes de exercício da cidadania – nós mesmos como consumidores, empregados, empresários, fornecedores, moradores de cidades e até como investidores. Empresas continuarão a se relacionar com comunidades por meio de caridade, filantropia e investimento social privado, enquanto perceberem nisto benefícios em termos de reputação e licença social para operar. Mas, do ponto de vista das relações com comunidades carentes, fará bem às empresas pensar em relações baseadas nas forças de mercado, em que as trocas ocorrem sob a regulação da oferta e da procura. Seremos capazes de conceber os mercados como o espaço em que a emancipação das pessoas mais carentes encontra a chance de se consolidar? Se tal, veremos empresas praticando caridade, filantropia e investimento social privado com a intenção de habilitar as comunidades beneficiadas a terem bom desempenho nos mercados de trabalho, indústria, serviços, comércio, consumo e capital. Mais: veremos empresas se tornando mais competitivas justamente por saberem contratar empregados, comprar e vender serviços e produtos e obter e remunerar investimentos em seu próprio capital das comunidades mais carentes. E os mercados serão então bastiões da emancipação e da cidadania, e não da dependência e da submissão.

Depois, o significado da inclusão social deverá ser sobrepujado por um sentido de mútua inclusão. Expressões como base da pirâmide e classes CDE carregarão ainda por algum tempo a ideia da necessidade de trazermos os mais pobres para as condições de vida dos mais ricos, que perderá força enquanto novas condições ambientais (restrições dos limites climáticos, oceânicos, da crosta como fonte e destino de recursos sólidos, das águas) e econômicas (enriquecimento de países mais pobres, empobrecimento de países mais ricos) comecem a demonstrar que os mais ricos também têm muito a aprender com os mais pobres. Ou seja, tanto os mais pobres devem ser incluídos entre os mais ricos, quanto os mais ricos devem ser incluídos entre os mais pobres. Na verdade, é muito melhor pensar que todos, os mais ricos e os mais pobres, deverão incluir-se num novo mundo, mais sustentável, configurando o que podemos chamar de inclusão no futuro. Ou alguém duvida que o mundo de 2050 será muito diferente do de hoje?

Em 2050, queremos 9 bilhões de pessoas vivendo bem e dentro dos limites do planeta. Para isso, deveremos ter crescimento da economia, sim, mas em outros termos. Ela deverá crescer em capacidade de inovação, utilizando processos e gerando produtos cada vez mais eficientes e acessíveis a todos. Ela deverá crescer na capacidade de distribuição da riqueza criada, democratizando os capitais e os rendimentos. E ela deverá crescer na capacidade de fortalecer nos seres humanos a consciência e as práticas de uma espécie constituinte da vida no planeta. E tais serão os mandamentos para as relações entre empresas e comunidades.

*Cláudio Boechat é professor da Fundação Dom Cabral (FDC).

Este texto faz parte de uma série de artigos de especialistas promovida pela área de Gestão Sustentável do Instituto Ethos, cujo objetivo é subsidiar e estimular as boas práticas de gestão.

Veja também:
A promoção da igualdade racial pelas empresas, de Reinaldo Bulgarelli;
Relacionamento com partes interessadas, de Regi Magalhães;
Usar o poder dos negócios para resolver problemas socioambientais, de Ricardo Abramovay;
As empresas e o combate à corrupção, por Henrique Lian;
Incorporação dos princípios da responsabilidade social, por Vivian Smith; e
O princípio da transparência no contexto da governança corporativa, por Lélio Lauretti.

 

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