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Entre o 2 e o 3, existe o 2,5

28/01/2014

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Não é preciso ser o melhor para realizar coisas incríveis. O que se deve fazer é pensar diferente. Sobretudo ao trabalhar com sustentabilidade.

Por Rafael Morais Chiaravalloti*

Eu nunca fui o melhor em nada. Desde muito pequeno faço esporte, mas jamais ganhei o primeiro lugar. Embora tenha estudado em mais de sete escolas durante minha adolescência, jamais tive as melhores notas. Após o colégio, mesmo com um ano de cursinho, não passei nos melhores vestibulares. Na faculdade, sempre fui mediano e, durante os meus estágios, nunca fui o mais esperto e perspicaz estudante. Mesmo naquelas coisas que me atraíam muito, nunca consegui estar no topo de nada. No mestrado, passei em último lugar e minha tese estava longe de ser a melhor.

Contudo, minha vida não foi tão monótona assim. Em todas as escolas em que estudei, sempre fui buscar coisas diferentes e fiz um círculo de amizade tão distinto que até hoje uso as lições que aprendi. Na faculdade, um pouco por falta de notas suficientes no vestibular, um pouco por escolha, fui parar em Campo Grande (MS), lugar em que poucas pessoas da minha cidade se arriscavam a ir estudar. De lá, tive oportunidade de fazer estágio no Pantanal, onde fiz coisas incríveis, como participar da captura de onça pintada e conhecer lugares a que pouca gente até hoje já foi.

Quando terminei a faculdade, deixei a oportunidade de ganhar uma bolsa de estudos em Campo Grande e fui me arriscar num mestrado que era pago, mas tinha uma ideia inovadora: tornar a ciência da sustentabilidade conectada com o mundo real. Foi na Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas), uma iniciativa do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) e do Instituto Arapyaú. Lá ganhei um crédito educativo e tive a oportunidade de escrever o livro Escolhas Sustentáveis. Para isso, me ofereceram um estágio com aquele que é considerado o pai da sustentabilidade: John Elkington.

O livro, que escrevi juntamente com o professor Cláudio Pádua, foi lançado em agosto de 2011  e, num intervalo de poucos meses, participei de mais de 14 eventos de lançamento e palestras. E já vi o livro até como referência de concurso público.

Hoje moro em Londres, pois faço doutorado na University College London, considerada a quarta melhor do mundo pelo QS Word University Rankings. Tudo isso porque consegui uma bolsa de doutorado pleno do governo brasileiro, pelo programa Ciência sem Fronteiras. E há dois meses estive em Budapeste, na Hungria, para uma entrevista ao Rolex Awards Young Laureate, pois fui selecionado entre os 20 finalistas pelo meu projeto de doutorado e pela minha história.

Juro que não quero fazer promoção pessoal com isso, embora o editor do meu livro sempre peça. O que eu quero dizer com essa breve história é que não precisamos ser os melhores para que coisas incríveis aconteçam nas nossas vidas. Acredito que o melhor que podemos fazer é pensar diferente. Principalmente quando trabalhamos com sustentabilidade.

Não há muita dúvida sobre os problemas ambientais e sociais que o mundo vive hoje. As espécies selvagens, por exemplo, estão desaparecendo numa velocidade comparável à de uma grande extinção em massa[1]. Ou seja, estamos exercendo um impacto sobre a Terra semelhante ao do meteoro que extinguiu os dinossauros. E mesmo aquelas espécies que estão protegidas em reservas ou parques também têm sofrido bastante. No Quênia, por exemplo, a população de grandes mamíferos mantidos nos parques nacionais diminuiu entre 50% e 70% na última década[2]. No aspecto social, o quadro é ainda mais complicado. Se, por um lado, mais de 800 mil pessoas passam fome[3], por outro, quase 1,5 bilhão de pessoas estão acima do peso[4]. Assim, se sustentabilidade é sinônimo de equilíbrio, estamos muito longe de uma agenda que chegue perto disso.

A solução para esse problema deve ser a adoção de novos modelos. Ou, como vem advogando a Volans, empresa híbrida inglesa (think tank e consultoria), optar por novo capitalismo: “Breakthrough Capitalism”. Como disse Albert Einstein, “nunca conseguiremos solucionar nossos problemas pela mesma lógica com que foram criados”.

No entanto, não precisamos ser radicais nessa mudança, mas apenas encontrar novas combinações que tragam maior equilíbrio. Por exemplo, algum dia alguém pensou que poderia existir uma instituição entre o segundo e o terceiro setores e criou as chamadas empresas 2,5. As combinações são infinitas e hoje já existem diversas empresas híbridas, como as B corporations. É o que diz o ditado: “Como não sabia que era impossível, ele foi lá e fez”.

Vale a pena dar uma lida no novo livro do Malcom Gladwell, chamado David and Goliath (acredito que sem tradução para o português ainda). Uma das partes do livro é sobre pessoas com dislexia. E, aparentemente, dislexia é fator muito presente entre CEOs e empreendedores de todo o mundo. O caso é que essas pessoas tiveram que, desde pequenas, sanar suas dificuldades do cotidiano por meio de soluções não convencionais, uma vez que o mundo não é moldado para esse perfil. Ou seja, foram adaptadas para pensar diferente. É nesse caminho que acredito que poderemos mudar mundo: pensando diferente.

Outra dúvida que surge nessa questão é que não é sempre que nasce um Henry Ford para aplicar a linha de montagem, um Steve Jobs para criar os computadores pessoais ou mesmo uma Vera Cordeiro para criar uma instituição como a Saúde Criança no Brasil. Concordo que, num mundo cheio de gente e conectado, é difícil ter ideias inovadoras. No entanto, vale a pena citar o trabalho relacionado com inovação que estamos fazendo no IPÊ, em parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e financiado pela Fundação Gordon e Betty Moore.

Na primeira fase do projeto, o objetivo era buscar ideias inovadoras dos gestores de Unidades de Conservação (UC) federais que conseguissem sanar problemas relacionados ao capital humano, recursos financeiros ou desenvolvimento local. Tivemos respostas de mais de 120 UCs de todo o país. Num primeiro momento, olhando inovação como aquilo que jamais alguém tinha pensado, não encontramos nada de diferente do que víamos em livros, textos ou nos casos que já conhecíamos. No entanto, o problema não estava nas respostas, mas no nosso conceito de inovação. A inovação faz parte de um espaço/tempo. Assim, um gestor aplicar um mecanismo em determinada UC, num contexto em que jamais foi empregado, é algo inovador.

Foi assim que encontramos ideias fantásticas para o nosso projeto[5]. E aí está a chave para a resposta. Não precisamos inventar a roda para sermos inovadores; utilizar aquela mesma roda em outros contextos também é inovador. Por exemplo, empresas híbridas, B corporations ou 2,5 já são uma realidade, mas aplicá-las num contexto em que ainda não existem é inovação.

A ideia é não seguir simplesmente a inércia das coisas. O mundo é cheio de novas oportunidades. O questionamento crucial em sustentabilidade é se perguntar: por que não?

Eu ainda continuo não sendo o melhor em nada e, mesmo se começasse a fazer um esporte recém-criado, com apenas dois competidores, teria grandes chances de terminar em segundo. Mas não me importaria com isso, pois o que me motiva é tentar fazer coisas diferentes. O que mais me atrai é a ideia de que, entre o 2 e o 3, existe o 2,5.

* Rafael Morais Chiaravalloti é doutorando na University College London e autor do livro Escolhas Sustentáveis: Discutindo Biodiversidade, Uso da Terra, Água e Aquecimento Global.

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Este texto faz parte da série de artigos de especialistas promovida pelo Instituto Ethos com o objetivo de subsidiar e estimular as boas práticas de gestão.

Veja também:
– A promoção da igualdade racial pelas empresas, de Reinaldo Bulgarelli;
– Relacionamento com partes interessadas, de Regi Magalhães;
– Usar o poder dos negócios para resolver problemas socioambientais, de Ricardo Abramovay;
– As empresas e o combate à corrupção, de Henrique Lian;
– Incorporação dos princípios da responsabilidade social, de Vivian Smith;
– O princípio da transparência no contexto da governança corporativa, de Lélio Lauretti;
– Empresas e comunidades rumo ao futuro, de Cláudio Boechat;
– O capital natural, de Roberto Strumpf;
– Luzes da ribalta: a lenta evolução para a transparência financeira, de Ladislau Dowbor;
– Painel de stakeholders: uma abordagem de engajamento versátil e estruturada, de Antônio Carlos Carneiro de Albuquerque e Cyrille Bellier;
– Como nasce a ética?, de Leonardo Boff;
– As empresas e o desafio do combate ao trabalho escravo, de Juliana Gomes Ramalho Monteiro e Mariana de Castro Abreu;
– Equidade de gênero nas empresas: por uma economia mais inteligente e por direito, de Camila Morsch;
– PL n° 6.826/10 pode alterar cenário de combate à corrupção no Brasil, de Bruno Maeda e Carlos Ayres;
– Engajamento: o caminho para relações do trabalho sustentáveis, de Marcelo Lomelino;
– Sustentabilidade na cadeia de valor, de Cristina Fedato;
– Métodos para integrar a responsabilidade social na gestão, de Jorge Emanuel Reis Cajazeira e José Carlos Barbieri;
– Generosidade: o quarto elemento do triple bottom line, de Rogério Ruschel;
– O que mudou na sustentabilidade das empresas, de Dal Marcondes;
– Responsabilidade social empresarial e sustentabilidade para a gestão empresarial, de Fernanda Gabriela Borger;
– Os Dez Mandamentos da empresa responsável, de Rogério Ruschel;
– O RH como alavanca da estratégia sustentável, de Aileen Ionescu-Somers;
– Marcas globais avançam na gestão de resíduos sólidos, de Ricardo Abramovay;
– Inclusão e diversidade, de Reinaldo Bulgarelli;
– Da visão de risco para a de oportunidade, de Ricardo Voltolini;
– Medindo o bem-estar das pessoas, de Marina Grossi;
– A quantas andam os Objetivos do Milênio, de Regina Scharf;
– Igualdade de gênero: realidade ou miragem?, de Regina Madalozzo e Luis Cirihal;
– Interiorização do Desenvolvimento: IDH Municipal 2013, de Ladislau Dowbor;
– Racismo ambiental: derivação de um problema histórico, de Nelson Inocêncio;
Procuram-se líderes da sustentabilidade, de Marina Grossi e Marcos Bicudo;
Relato integrado: evolução da comunicação de resultados, de Álvaro Almeida;
A persistência das desigualdades raciais no mundo empresarial, de Pedro Jaime;
A agropecuária e as emissões de gases de efeito estufa, de Marina Piatto, Maurício Voivodic e Luís Fernando Guedes Pinto;
Gestão de impactos sociais nos empreendimentos: riscos e oportunidades, de Fábio Risério, Sérgio Avelar e Viviane Freitas;
Micro e pequenas empresas mais sustentáveis. É possível?, de Marcus Nakagawa;
Executivos negros e movimento antirracista no Brasil, de Pedro Jaime;
Lixo: marchas e contramarchas de um debate fundamental, de Maurício Waldman; e
Contribuições da certificação socioambiental para a sustentabilidade da citricultura brasileira, de Por Luís Fernando Guedes Pinto, Daniella Macedo, Alessandro Rodrigues e Eduardo Augusto Girardi.

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