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Painel de stakeholders: uma abordagem de engajamento versátil e estruturada

08/04/2013

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Esse recurso pode trazer contribuições para as empresas e ajudá-las tanto no tratamento de questões específicas quanto na definição de estratégias.

Por Cyrille Bellier e Antônio Carlos Carneiro de Albuquerque*

A interação e o diálogo com as partes interessadas é algo que muitas empresas têm praticado por meio de processos envolvendo as áreas de Marketing, Relações Públicas, Relações com Investidores e de Sustentabilidade. A novidade é o enfoque e a importância estratégica que vêm sendo dados a essas práticas, num contexto social, ambiental e econômico que se torna cada vez mais complexo. Operar nesse ambiente requer das empresas uma capacidade de questionamento e definição sobre o que se deseja construir e o quanto as partes interessadas são (e serão) peças-chave no sucesso de suas estratégias de desenvolvimento.

O engajamento vai além de comunicação; trata de estabelecer uma relação mútua de confiança, diálogo, troca e influência, para que todas as partes possam trabalhar questões de risco (conflitos, greves, perdas de licença), potenciais oportunidades (fornecedores locais, apoio da comunidade, sinergias etc.) e até mesmo a formação de parcerias nas quais haja objetivos compartilhados e se estabeleça uma situação de “ganha-ganha”.

Ao falar de engajamento várias abordagens podem ser aplicadas, dependendo do momento, dos desafios e da maturidade da empresa. Exploraremos a seguir o painel de stakeholders, por ser uma abordagem simples de operacionalizar, versátil, eficiente e ainda utilizada de forma muito restrita. No Brasil, esses painéis são sinônimo de reporting e de resposta às diretrizes da Global Reporting Initiative (GRI), utilizados principalmente na etapa de materialidade e assurance. Embora importante, o reporting não é a peça central de uma estratégia de sustentabilidade nem de engajamento. Portanto, para capturar o pleno potencial de uma abordagem de painel de stakeholders precisamos olhar além, entender sua dinâmica e nos inspirarmos em práticas pioneiras.

Definição e estruturação

O painel de stakeholders é um grupo formado por partes interessadas reunidas a convite de uma empresa para examinar aspectos relacionados às suas políticas, ações, governança e desempenho e dar contribuições (recomendações, orientações, apoio, visão crítica etc.) em relação a visões de futuro, compromissos ou posicionamentos assumidos pela empresa. Se o objetivo da dinâmica desse grupo pode ser diverso, a estruturação e etapas da elaboração de um painel seguem a mesma metodologia e representam um denominador comum para uma dinâmica de sucesso.

Abaixo as etapas estruturação de um painel de stakeholders 1:

Na fase inicial (Etapa 1), é importante que as empresas reflitam sobre as motivações da sua organização para implementar um painel de stakeholders, além de definir qual será o seu foco: realizar uma verificação externa do relatório de sustentabilidade; apoiar o desenho da estratégia da empresa; realizar debates sobre assuntos específicos (produto, geografias, inovação etc.); apoiar a implantação da estratégia da empresa; ou garantir a representatividade de stakeholders-chave. O nível de ambição do painel de stakeholders será determinado pelas questões específicas que a empresa está tentando responder, o grau de senioridade dos participantes e envolvidos no processo, qual o mandato definido para o Painel e seus membros, se haverá ou não uma resposta aos participantes e demais públicos em relação ao que foi discutido e formulado no painel e como essa informação será compartilhada pelos participantes. Finalmente, é importante garantir o apoio da liderança da empresa e identificar um apoiador (sponsor) para o painel, pois isso dará credibilidade ao processo no âmbito interno da empresa e facilitará a implantação das recomendações pela organização.

Na Etapa 2, o objetivo é definir as regras que vão permitir um processo justo e eficaz, contribuindo para tomadas de decisão corretas, tanto dentro como fora da empresa. As decisões sobre o mandato do painel, facilitação, transparência, confidencialidade, resultados e conexão com a governança devem refletir o objetivo da empresa em realizá-lo, assim como as necessidades dos membros desse painel. As regras devem permitir ao painel um funcionamento eficaz, influenciar as decisões e garantir algum nível de comunicação interna e externa.

A definição do perfil e recrutamento dos participantes (Etapa 3) para o painel de stakeholders é muito importante e eles devem ser capazes de refletir sobre o objetivo, o foco, os temas e a agenda proposta para o painel. Devem representar os stakeholders-chave e ser capazes de adotar um espírito crítico e construtivo na sua participação e também em relação às recomendações propostas. A empresa deve ponderar fatores de atração e retenção dos participantes, um desafio atual de empresas brasileiras, pois muitas delas, embora estabeleçam relacionamentos e contato com diferentes stakeholders ao longo do tempo, pouco têm avançado em incorporar suas percepções ou recomendações nas estratégias de negócios e responsabilidade corporativa, o que tem gerado frustração e dificuldade de atrair e reter stakeholders.

Também é preciso ter claramente estabelecido quais são os recursos (materiais, humanos e financeiros) necessários para realizar e apoiar o trabalho do painel (Etapa 4). Esse apoio também passa por manter os participantes informados sobre as estratégias corporativas e as operações, bem como as questões sociais e ambientais que têm relevância para os negócios e para os stakeholders da empresa. Também há a oportunidade de estimular e alavancar as relações e fomentar parcerias e cooperação. Finalmente, é importante acompanhar e avaliar o trabalho do painel (Etapa 5) e refletir se ele está cumprindo seu papel, se os resultados pretendidos foram alcançados, se há necessidade de renovação ou alteração dos membros, enfim, verificar os avanços, a influência, o funcionamento e o impacto do painel e de suas recomendações.

Práticas inspiradoras 2

O painel de stakeholders é uma abordagem muito versátil que pode trazer contribuições e ajudar as empresas tanto no tratamento de questões específicas quanto na definição de estratégias.

A seguir, damos alguns exemplos de utilização de painéis de stakeholders.

A Hitachi, conglomerado japonês com mais de 800 empresas, decidiu recentemente adotar uma estratégia de globalização de seus negócios. Apesar de estar presente no país há mais de 100 anos, a Hitachi Brasil tinha interesse em compreender a realidade contemporânea brasileira para identificar novas oportunidades de negócios e de inserção de seus produtos e serviços, além de estreitar contato com atores locais. O painel de stakeholders possibilitou que as lideranças global e local tivessem uma melhor compreensão da realidade socioambiental brasileira e identificassem os principais riscos e oportunidades de negócios a partir desse contexto. Num segundo momento, a Hitachi decidiu realizar um novo painel de stakeholders com foco no setor de transportes, para entender o contexto específico dessa área, tendo em vista os grandes eventos previstos para o Brasil. A identificação de pessoas-chave e especializadas no setor agregou valor e novos elementos não considerados anteriormente pela empresa, o que permitiu à Hitachi considerar que elas pudessem apoiar um reposicionamento de seus produtos no mercado brasileiro.

A Nextel, por sua vez, definiu em 2011 como tema prioritário para seus negócios o respeito ao consumidor. No ano seguinte, a empresa decidiu realizar um painel de stakeholders para discutir com pessoas-chave suas percepções em relação ao assunto. Desse processo, participaram também os líderes internos de áreas diretamente relacionadas ao tema (como Marketing, Relacionamento com Clientes, Jurídico, Responsabilidade Corporativa etc.). O processo criou um sentido de urgência junto à liderança, além de contribuir para seu engajamento. Ademais, permitiu que a liderança da empresa contasse com contribuições significativas por parte de seus stakeholders, levando a um plano de trabalho para a implantação de várias ações referentes ao respeito ao consumidor. O plano é coordenado pela área de Responsabilidade Corporativa, mas é implementado transversalmente com apoio das áreas líderes e chave em cada uma das ações definidas no plano.

O uso do painel em discussões de governança e estratégia tem um bom exemplo na iniciativa da Coca-Cola Enterprises (CCE), que em 2010, após a venda de seus negócios para a Coca-Cola Company, tinha como objetivo garantir que seus compromissos e metas de responsabilidade social corporativa (RSC) continuassem alinhados com sua aspiração de se tornar líder da indústria alimentícia e de bebidas. Assim, no início de 2011, a CCE juntou um grupo de 25 partes interessadas-chave dos sete países europeus em que opera para debater o que acreditavam ser o significado de liderança sustentável e o que a CCE deveria fazer para ser líder de RSC. O painel influenciou o desenvolvimento do plano de sustentabilidade da CCE “Entregue Hoje, Inspire o Amanhã”, de 2011, e proporcionou orientações úteis para a equipe de liderança sobre as expectativas das partes interessadas quanto ao programa de RSC na Europa. No plano de sustentabilidade, foram definidas uma nova visão e três prioridades estratégicas para a RSC na CCE, que criou uma base para a empresa nas questões materiais de sustentabilidade e introduziu o conceito inovador para um futuro de baixo carbono e de desperdício zero.

Como se pode ver pelos casos relatados, o painel de stakeholders é um processo estruturado que permite à área de Sustentabilidade ou RSC demonstrar às demais áreas o valor para os negócios da empresa e é uma ferramenta importante para que as companhias desenhem melhores estratégias corporativas, considerem novos elementos de análise e gestão de riscos, construam novas parcerias e identifiquem novas maneiras de atuar junto à sua cadeia de fornecedores, na gestão dos impactos socioambientais e econômicos, no posicionamento de produtos e serviços e na comunicação.

* Antônio Carlos Carneiro de Albuquerque é consultor da Rever Consulting e da Business for Social Responsibility (BSR). Cyrille Bellier é sócio-fundador da Rever Consulting.

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NOTAS

1 Esta estrutura foi mencionada tanto no relatório de 2007 da Utopies e AccountAbility quanto na plataforma Critical Friends International, na qual há um descritivo mais detalhado das etapas, além de um guia para implantação.

2 Para conhecer outros casos de utilização de painéis de stakeholders no processo de engajamento, acesse www.criticalfriendsinternational.com/index.php/pt/estudo-de-casos.

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Este texto faz parte de uma série de artigos de especialistas promovida pela área de Gestão Sustentável do Instituto Ethos, cujo objetivo é subsidiar e estimular as boas práticas de gestão.

Veja também:
A promoção da igualdade racial pelas empresas, de Reinaldo Bulgarelli;
Relacionamento com partes interessadas, de Regi Magalhães;
Usar o poder dos negócios para resolver problemas socioambientais, de Ricardo Abramovay;
As empresas e o combate à corrupção, de Henrique Lian;
Incorporação dos princípios da responsabilidade social, de Vivian Smith;
O princípio da transparência no contexto da governança corporativa, de Lélio Lauretti;
Empresas e comunidades rumo ao futuro, de Cláudio Boechat;
O capital natural, de Roberto Strumpf; e
Luzes da ribalta: a lenta evolução para a transparência financeira, de Ladislau Dowbor.

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