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Tributação de pequenas empresas e desenvolvimento

26/03/2014

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O modelo de tributação das pequenas empresas gera uma série de distorções que podem acabar prejudicando o desenvolvimento do país.         

Por Bernard Appy*

Quando falamos do sistema tributário do Brasil, não estamos falando de um único regime de tributação, mas sim de uma multiplicidade de sistemas que podem variar em razão do porte e do setor de atuação da empresa. Essa multiplicação de sistemas tributários é resultado da criação de uma série de regimes simplificados e menos onerosos para empreendedores de menor porte.

Embora o objetivo de favorecer os pequenos empreendimentos seja louvável, esse modelo de tributação gera uma série de distorções que podem acabar prejudicando o desenvolvimento do país.

Por um lado, o grande aumento no custo tributário que ocorre quando uma empresa cresce implica num forte desestímulo ao crescimento das empresas. Por outro lado, o sistema tributário brasileiro é muito mais oneroso para os empregados do que para os empresários, o que pode levar a uma organização ineficiente da estrutura produtiva.

O regime tributário das grandes empresas brasileiras (usualmente chamado de lucro real) não apenas é um dos mais complexos do mundo, mas também um dos mais onerosos. Além do lucro real, há vários sistemas simplificados de tributação, a saber: lucro presumido, para empresas com receita anual até R$ 72 milhões; Simples Nacional, para empresas com receita anual até R$ 3,6 milhões; e microempreendedor individual (MEI), para autônomos com receita mensal de até R$ 5.000.

Além desses regimes aplicáveis às empresas, várias atividades podem ser desempenhadas diretamente por autônomos, que são tributados na pessoa física.

Para se ter uma ideia do quanto o custo tributário pode variar entre regimes, fiz alguns cálculos tomando como referência um eletricista que recebe mensalmente R$ 5.000 pelos serviços prestados.

Se esse eletricista for empregado de uma empresa do lucro presumido, o custo tributário total incidente sobre sua atividade será de 45,9% da receita. Já se ele for empregado de uma empresa do Simples, esse custo cairá para 26,2% da receita.

Mas esse eletricista pode ser também um empresário, ou seja, o dono da empresa que presta os serviços. Nesse caso, o custo tributário sobre seu trabalho pode ser significativamente menor, alcançando 19% da receita, se ele for sócio de uma empresa do lucro presumido, e 8,7%, se for sócio de uma empresa do Simples.

Por fim, o eletricista pode atuar como autônomo, sendo tributado na pessoa física, caso em que seu custo tributário será de 9,2% da receita, ou pode ser um microempreendedor individual (MEI), caso em que pagará apenas 0,8% da receita para ficar em dia com o Fisco.

Como se vê, para uma mesma atividade, o custo tributário pode variar enormemente, dependendo da forma como essa atividade está organizada, indo de menos de 1% a mais de 45% da receita, sendo especialmente elevado no caso da contratação de empregados. É verdade que os empregados têm algumas vantagens que os empresários não têm (como o FGTS), mas isso certamente não justifica o enorme diferencial no custo tributário.

O problema é que tais diferenças de custo tributário induzem a uma forma de organização da atividade econômica que pode não ser a mais eficiente. No caso do eletricista, por exemplo, talvez a forma de organização mais eficiente fosse a de uma empresa com vários empregados bem treinados e alocados de modo a minimizar deslocamentos e o tempo ocioso. Por razões tributárias, no entanto, a tendência é que o eletricista se constitua como um MEI ou como sócio de uma empresa do Simples, possivelmente com pouco treinamento, grande tempo de deslocamento entre serviços e muito tempo ocioso.

Outro problema é que o grande aumento do custo tributário que decorre da mudança de regime tributário resultante da expansão do negócio cria um forte desincentivo a que as empresas cresçam. Em muitos casos, as empresas se subdividem em muitas empresas pequenas para permanecer num regime mais favorecido, perdendo escala e eficiência e aumentando seu custo de gestão e seu risco – pois a divisão artificial de uma empresa para reduzir o custo tributário é ilegal.

Nos últimos anos, desenvolveu-se no Brasil a ideia de que, quanto menor for a tributação das micro e pequenas empresas, melhor será para a economia. Na verdade, a criação de múltiplos regimes de tributação e o aumento do diferencial de custo tributário entre pequenas e grandes empresas pode ter o efeito inverso, prejudicando o funcionamento eficiente da economia e levando a um menor crescimento.

Em particular, os limites de enquadramento em regimes tributários favorecidos no Brasil estão entre os mais altos do mundo. A título de comparação, o limite de receita anual para enquadramento no regime simplificado de tributação nos EUA é de US$ 48 mil.

É verdade que os pequenos empreendimentos não suportam uma carga tributária excessiva, até porque enfrentam a concorrência de negócios informais. Ainda assim, o foco da agenda tributária voltada para os pequenos empreendimentos deveria começar a mudar.

Por um lado, deveria haver um esforço de convergência dos regimes de tributação de empresas e destes com o regime de tributação das pessoas físicas. Idealmente menores negócios devem ter menor tributação, mas essa tributação não deveria variar em função da forma de organização do empreendimento e muito menos em razão do trabalho ser feito por um empregado ou pelo dono da empresa.

Por outro lado, se se quer um sistema tributário que estimule o desenvolvimento, provavelmente é mais importante reduzir a carga tributária das grandes empresas do que favorecer ainda mais os pequenos negócios. Essa afirmação pode parecer contraintuitiva para um político, mas certamente os regimes favorecidos de tributação das pequenas empresas são hoje um dos fatores que dificultam o desenvolvimento do Brasil.

* Bernard Appy é diretor da LCA Consultores e foi secretário executivo e secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

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Este texto faz parte da série de artigos de especialistas promovida pelo Instituto Ethos com o objetivo de subsidiar e estimular as boas práticas de gestão.

Veja também:
– A promoção da igualdade racial pelas empresas, de Reinaldo Bulgarelli;
– Relacionamento com partes interessadas, de Regi Magalhães;
– Usar o poder dos negócios para resolver problemas socioambientais, de Ricardo Abramovay;
– As empresas e o combate à corrupção, de Henrique Lian;
– Incorporação dos princípios da responsabilidade social, de Vivian Smith;
– O princípio da transparência no contexto da governança corporativa, de Lélio Lauretti;
– Empresas e comunidades rumo ao futuro, de Cláudio Boechat;
– O capital natural, de Roberto Strumpf;
– Luzes da ribalta: a lenta evolução para a transparência financeira, de Ladislau Dowbor;
– Painel de stakeholders: uma abordagem de engajamento versátil e estruturada, de Antônio Carlos Carneiro de Albuquerque e Cyrille Bellier;
– Como nasce a ética?, de Leonardo Boff;
– As empresas e o desafio do combate ao trabalho escravo, de Juliana Gomes Ramalho Monteiro e Mariana de Castro Abreu;
– Equidade de gênero nas empresas: por uma economia mais inteligente e por direito, de Camila Morsch;
– PL n° 6.826/10 pode alterar cenário de combate à corrupção no Brasil, de Bruno Maeda e Carlos Ayres;
– Engajamento: o caminho para relações do trabalho sustentáveis, de Marcelo Lomelino;
– Sustentabilidade na cadeia de valor, de Cristina Fedato;
– Métodos para integrar a responsabilidade social na gestão, de Jorge Emanuel Reis Cajazeira e José Carlos Barbieri;
– Generosidade: o quarto elemento do triple bottom line, de Rogério Ruschel;
– O que mudou na sustentabilidade das empresas, de Dal Marcondes;
– Responsabilidade social empresarial e sustentabilidade para a gestão empresarial, de Fernanda Gabriela Borger;
– Os Dez Mandamentos da empresa responsável, de Rogério Ruschel;
– O RH como alavanca da estratégia sustentável, de Aileen Ionescu-Somers;
– Marcas globais avançam na gestão de resíduos sólidos, de Ricardo Abramovay;
– Inclusão e diversidade, de Reinaldo Bulgarelli;
– Da visão de risco para a de oportunidade, de Ricardo Voltolini;
– Medindo o bem-estar das pessoas, de Marina Grossi;
– A quantas andam os Objetivos do Milênio, de Regina Scharf;
– Igualdade de gênero: realidade ou miragem?, de Regina Madalozzo e Luis Cirihal;
– Interiorização do Desenvolvimento: IDH Municipal 2013, de Ladislau Dowbor;
– Racismo ambiental: derivação de um problema histórico, de Nelson Inocêncio;
Procuram-se líderes da sustentabilidade, de Marina Grossi e Marcos Bicudo;
Relato integrado: evolução da comunicação de resultados, de Álvaro Almeida;
A persistência das desigualdades raciais no mundo empresarial, de Pedro Jaime;
A agropecuária e as emissões de gases de efeito estufa, de Marina Piatto, Maurício Voivodic e Luís Fernando Guedes Pinto;
Gestão de impactos sociais nos empreendimentos: riscos e oportunidades, de Fábio Risério, Sérgio Avelar e Viviane Freitas;
Micro e pequenas empresas mais sustentáveis. É possível?, de Marcus Nakagawa;
Executivos negros e movimento antirracista no Brasil, de Pedro Jaime;
Lixo: marchas e contramarchas de um debate fundamental, de Maurício Waldman;
Contribuições da certificação socioambiental para a sustentabilidade da citricultura brasileira, de Por Luís Fernando Guedes Pinto, Daniella Macedo, Alessandro Rodrigues e Eduardo Augusto Girardi;
Entre o 2 e o 3, existe o 2,5, de Rafael Morais Chiaravalloti;
Trabalho longe de casa, de Marina Loyola;
Desigualdades raciais e de gênero e ações afirmativas no Brasil, de Pedro Jaime; e
A ilusão da igualdade, de Carol Nunes.

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